sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

A teoria da Equivalência de Estímulos na Pré-alfabetização de crianças com Transtornos do Espectro do Autismo

Publicado por Maria Célia Becattini




No último artigo apresentei alguns pré-requisitos que devem ser ensinados antes do início de um processo de alfabetização propriamente dito. Dando continuidade a este tema, apresentarei hoje procedimentos que têm sido utilizados na alfabetização de crianças com dificuldades de aprendizado, principalmente crianças autistas. 


Estudos desenvolvidos na Universidade Federal de São Carlos (dentre eles, Souza e De Rose, 2006) objetivaram alfabetizar pessoas com déficits de aprendizagem. Alguns aspectos dos procedimentos aqui apresentados são oriundos destes estudos, outros são frutos de nossa prática cotidiana na intervenção com estas crianças.

Os procedimentos aqui apresentados estão fundamentados na teoria da Equivalência de Estímulos, tema de muitos estudos na Análise do Comportamento, que teve como marco o experimento de Sidman (1971). Estes estudos apontaram que alguns estímulos passam a formar uma classe de estímulos quando evocam as mesmas respostas. A população leiga diz que estes estímulos têm o mesmo “significado”, nós, analistas do comportamento, entendemos que estímulos que têm o mesmo “significado” fazem parte da mesma classe de estímulos.

Os chamados “conceitos” de figuras, objetos, palavras, sons, enfim, qualquer tipo de estímulo, são formados então, através da equivalência de estímulos. Formam uma classe de estímulos os estímulos que estabelecem algumas relações entre si. Os estudos acerca da equivalência de estímulos têm mostrado que após o treino de algumas relações entre estímulos, outras relações não treinadas emergem sem treino direto. É este processo que ocorre na aprendizagem, ou seja, na compreensão de conceitos e, também, na alfabetização.

Antes de aprender a ler e escrever a criança já tem formada uma classe de estímulos equivalentes contendo figuras (estímulos bidimensionais), objetos reais (estímulos tridimensionais) e sons (palavras faladas pela própria criança e/ou por outras pessoas). Isto significa que a figura de um bolo, o bolo real e o som vocal “bolo” significam a mesma coisa para esta criança. Se alguém falar para ela “bolo” ela imediatamente se lembrará dos bolos que já viu ou já comeu; ou apontará a foto do bolo na revista; ou responderá “Sim, quero de chocolate!”. O mesmo acontecerá se alguém mostrar uma imagem de um bolo para esta criança ou mostrar o próprio bolo real. Ou seja, diferentes dimensões de estímulos evocam as mesmas respostas, porque no decorrer do seu desenvolvimento cognitivo esta criança conseguiu estabelecer relações equivalentes entre estes estímulos e, agora, eles fazem parte da mesa classe de estímulos. 

Porém, antes da alfabetização falta uma dimensão de estímulo nesta classe, falta a palavra escrita. Quando introduzimos a palavra escrita nesta classe de estímulos a criança passa a também responder ao símbolo BOLO (escrito à mão, impresso, em uma revista ou cardápio). As respostas que este estímulo evoca são as mesmas já citadas, ou seja, ao ler a palavra BOLO a criança se lembra dos bolos que conhece; diz que quer um bolo e de qual sabor; aponta uma imagem de bolo ou o bolo real; etc. Neste momento, dizemos que a criança está alfabetizada.



O procedimento básico para introduzir a palavra escrita na classe de estímulos já formada para cada conceito consiste em treinar algumas relações entre estímulos e testar se novas relações emergem sem treino. Os estímulos que deverão estabelecer relações equivalentes entre si são: palavras faladas (que chamaremos de estímulos A); figuras (que chamaremos de estímulos B); e palavras escritas (que chamaremos de estímulos C).

O procedimento prevê o treino direto, isto é, com uso de reforçamento para as respostas corretas e retirada gradual das dicas, das relações AB (palavra ditada X figura) e AC (palavra ditada X palavra escrita). Aprendidas estas relações, testamos a emergência sem treino (isto é, sem reforçamento e sem dicas) das relações de equivalência, das quais a mais importante é a relação BC (figura X palavra escrita). É uma simples questão de lógica matemática, ou seja, se ensinamos para alguém que A = B e que A = C, a verdade B = C não precisa ser ensinada, ela deve ser automaticamente inferida. É neste pressuposto que se sustenta a teoria da equivalência.

Os treinos e testes de relações emergentes são feitos em grupos de 3 palavras. Inicia-se um novo grupo quando a criança atinge o critério de aprendizagem com o grupo treinado. Nos primeiros grupos, as palavras são formadas por sílabas simples, sem as chamadas “dificuldades da língua”, ou seja, sem encontros vocálicos e consonantais, por exemplo, nos grupos iniciais aparecem palavras como BOLO, VELA, TATU, etc. As dificuldades da língua aparecem em grupos mais avançados de treino: NAVIO, MOEDA, etc. Em todos os treinos e testes descritos abaixo deve ser garantida a randomização de estímulos na mesa a cada nova tentativa, para evitar um possível controle pela posição do estímulo.

O treino da relação AB (palavra falada X figura) nada mais é do que uma identificação de figuras, ou seja, o aplicador apresenta as 3 figuras do grupo na mesa, mostra cada uma delas nomeando-as e garantindo que o aluno olhe para cada figura e, em seguida, pede que o aluno pegue ou aponte uma das figuras. Por ser um treino, o aplicador deve começar dando ajudas físicas e ir retirando esta ajuda gradualmente. A cada resposta com ou sem ajuda o aplicador deve elogiar e liberar o acesso a um item de interesse da criança (reforçadores). O treino da relação AC (palavra falada X palavra escrita) se dá exatamente da mesma forma que o treino da relação AB, porém, no lugar de figuras a criança identifica as palavras pedidas pelo aplicador.

Estes dois são os treinos básicos e fundamentais para a formação da classe de estímulos. Porém, na atuação com crianças autistas temos aplicado, também, outros dois treinos complementares: anagramas e escrita.

O treino de anagramas é uma cópia de palavras com sílabas soltas, ou seja, a criança faz um emparelhamento de identidade de sílabas. O aplicador apresenta diferentes sílabas, mostra cada uma delas nomeando-as e garantindo que o aluno olhe para cada sílaba. Em seguida o aplicador apresenta uma palavra do grupo e a nomeia. Então, o aplicador pede que o aluno pegue as sílabas soltas e monte a palavra igual ao modelo.

Finalmente, o treino da escrita pode ser feito de diversas formas, por exemplo, cobrir pontilhado das palavras do grupo ou copiar estas palavras (se a criança já tiver repertório de cópia); com escrita à mão ou no computador (digitação). Para a escrita à mão, num primeiro momento, usamos apenas a letra bastão, pois a coordenação motora fina necessária para a escrita em letra cursiva pode ser muito difícil para crianças autistas.

Feitos estes 4 treinos com um grupo de 3 palavras, deve-se testar as relações emergentes. O critério utilizado para considerar que o grupo de palavras foi aprendido é a independência na identificação de palavras (treino AC). Então, quando este critério é atingido, o aplicador inicia testes de outras relações entre os estímulos A, B e C que não foram treinadas. Nos testes as respostas do aluno não devem ser reforçadas, pois se houver reforço a contingência passa a ser de treino, ou seja, de ensino, e o objetivo agora é só testar se esta relação foi adquirida. Por isso, é importante reforçar outras respostas da criança, ou seja, a cada tentativa o aplicador pode pedir outra resposta para o aluno e disponibilizar o reforçador contingente a esta resposta e não às respostas ao teste. Além disso, nos testes não devem ser dadas dicas.

A primeira relação de equivalência que deve ser testada é a relação de reflexividade, ou seja, um estímulo é igual a ele mesmo. Então, testam-se as relações BB (figura X figura) e CC (palavra escrita X palavra escrita), ou seja, são tarefas de emparelhamento de identidade. O aplicador apresenta as 3 figuras ou palavras do grupo, mostra cada uma delas nomeando-as e garantindo que o aluno olhe para cada uma. Em seguida o aplicador entrega uma figura ou palavra para o aluno e pede que ele coloque-a na figura ou palavra idêntica, dizendo “Onde vai?”.

A outra relação de equivalência a ser testada é a relação de simetria, ou seja, o inverso das relações já aprendidas. Então, se treinamos a relação AB (palavra falada x figura), temos que testar a relação BA (figura X palavra falada); e se treinamos a relação AC (palavra falada x palavra escrita), testamos agora a relação CA (palavra escrita x palavra falada). Estes testes consistem no tacto (nomeação) de figuras (BA) e de palavras escritas (CA). O aplicador deve apresentar cada uma das figuras e palavras que foram treinadas para o aluno nomear ou ler.

Um dos testes de relações emergentes mais importantes de se fazer para verificar se a criança está adquirindo a chamada “leitura com compreensão” é o teste de transitividade. Se ensinamos que a palavra falada “Bolo” é igual à figura do bolo (Relação AB) e que esta mesma palavra falada “Bolo” é igual à junção das letras impressas BOLO (Relação AC), deve emergir a relação entre a figura e a palavra escrita (BC), relação esta que recebe o nome de transitividade na teoria da equivalência. Então, neste teste, conduzimos um emparelhamento arbitrário entre figuras e palavras escritas. O aplicador apresenta as 3 figuras do grupo, mostra cada uma delas nomeando-as e garantindo que o aluno olhe para cada figura. Então, o aplicador entrega uma palavra escrita do grupo para o aluno e pede que ele a coloque na figura correspondente, dizendo “Onde vai esta palavra?”.

Finalmente, concluímos os testes com a relação que comprova que houve a formação de uma classe de estímulos equivalentes: a relação de equivalência, que nada mais é do que a simetria da transitividade, ou seja, a relação CB (palavra escrita X figura). Este teste consiste no mesmo emparelhamento arbitrário descrito acima, só que com as palavras na mesa e cada figura dada na mão da criança para ela parear com a palavra correspondente.

Os treinos e testes descritos acima, são feitos com cada grupo de 3 palavras e o aluno não precisa ter demonstrado a emergência de cada relação não treinada para seguir para o próximo grupo, afinal estas relações tendem a começar a emergir no decorrer dos grupos.

Obviamente, o objetivo não é fazer tais treinos e testes com todas as palavras da língua portuguesa. Então, espera-se que a criança generalize o aprendizado para novas palavras não treinadas. Este procedimento visa ensinar a discriminação de sílabas para que a criança possa recombinar estas sílabas formando novas palavras não treinadas. Então, após os treinos e testes de relações emergentes com cada grupo de 3 palavras, são feitos testes de generalização com palavras formadas pela recombinação de sílabas das palavras já treinadas. Por exemplo, se no Grupo 1 são treinadas as palavras BOLO, VELA, TATU e no Grupo 2 as palavras BICO, MALA, VACA; após o Grupo 2 testa-se a leitura das palavras BOCA (formada pelo BO de BOLO e o CA de VACA) e COLA (formada pelo CO de BICO e o LA de VELA ou de MALA). Se a criança estiver aprendendo a discriminar e nomear as sílabas ela será capaz de ler estas novas palavras.

Para as crianças que já falam este teste é feito apenas com a leitura destas palavras recombinativas. Então, o aplicador deve apresentar cada uma das palavras recombinadas para o aluno ler. Com crianças não verbais, é conduzido um teste de identificação das palavras recombinadas. O aplicador apresenta 2 palavras recombinadas impressas e um cartão em branco (ocupando a 3ª posição na mesa), mostra cada palavra (sem nomeá-las) garantindo que o aluno olhe para cada palavra. Então, o aplicador pede que o aluno pegue ou aponte uma das palavras. Novamente, como a situação é de teste, o aplicador não deverá usar dicas e nem reforçar as respostas adequadas do aluno, por isso ele deve disponibilizar os reforçadores para outras respostas fora do teste.

Assim, o treino vai sendo conduzido com cada grupo de 3 palavras: treinos das relações principais; testes das relações emergentes; e testes de generalização com palavras recombinadas. O procedimento é feito até a criança demonstrar emergência de todas as relações treinadas e, também, até ela ser capaz de ler as palavras recombinadas, o que significa que ela ficou sob controle das sílabas e, então, lê qualquer palavra.

Algumas crianças autistas apresentam muitas dificuldades em aprender cada relação e podem não demonstrar as relações emergentes. Nestes casos, temos que desenvolver procedimentos de correção específicos para a dificuldade de cada criança. Por exemplo, em um treino que está muito difícil para a criança, podemos usar o fading in dos estímulos errados, isto é, nas primeiras tentativas apresentamos apenas o estímulo discriminativo (estímulo correto) e os estímulos incorretos (delta) vão aparecendo gradualmente (primeiro impressos em tons bem claros, escurecendo gradualmente), aumentando o grau de dificuldade. Outro procedimento que evita os erros e a conseqüente desmotivação na tarefa é o fading out da dica, ou seja, uma dica (física, gestual ou uma ênfase no estímulo correto) que guia a resposta para o estímulo correto vai sendo retirada gradualmente. Esta dica deve ser dada antes de a criança começar a responder, para evitar o erro e seus efeitos colaterais, como desmotivação, abandono da tarefa, sentimentos de fracasso, etc.

Como vocês podem constatar, os procedimentos aqui descritos são bastante densos e com alto nível de exigência, por isso, o aluno deve estar muito motivado em cada treino ou teste. O terapeuta deve, para isso, utilizar objetos, brinquedos, vídeos ou até alimentos que sejam de total interesse do aluno.

Os computadores e os tablets têm sido instrumentos importantes no ensino de crianças e adolescentes com dificuldades de aprendizagem, afinal, são, em si, motivadores e interessantes, além de oferecerem muitas alternativas de estimulação visual e auditiva. Por isso, com algumas crianças temos optado por apresentar todos estes treinos e testes no computador ou em tablets. Para isso, podemos construir cada contingência no Power Point, bem como intercalar tentativas de treino com vídeos ou imagens reforçadoras. Também pode ser desenvolvido um programa mais elaborado com estas contingências.

O procedimento aqui descrito faz parte do início do processo de alfabetização que deve ser continuado e complementado na escola regular, com as adaptações necessárias para as necessidades especiais da criança. No próximo artigo veremos alguns procedimentos de ensino que visam instalar a função da leitura e da escrita no repertório comportamental de crianças autistas já alfabetizadas, bem como o ensino da compreensão e interpretação de textos.

Referências Bibliográficas: 
Sidman, M. (1971). Reading and auditory-visual equivalents. Journal of Speech and Hearing Research, 14, 5-13.
Souza, D. G. & De Rose, J. C. (2006). Desenvolvendo programas individualizados para o ensino de leitura. Acta Comportamentalia, 14, 77-98.

Feliz Natal e um Ano Novo de muita superação!

Publicado por Maria Célia Becattini



domingo, 13 de dezembro de 2015

Autismo: O treino de habilidades motoras finas e grafomotor

Publicado por Maria Célia Becattini

POR JULIANA FIALHO 



Segundo o DSM V, o diagnóstico dos Transtornos do Espectro do Autismo é feito com base em duas grandes áreas do desenvolvimento: 1) Déficits clinicamente significativos e persistentes na comunicação social e nas interações sociais, e 2) Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades. Ou seja, o diagnóstico não inclui atrasos ou deficiências no desenvolvimento motor ou, mais especificamente, no desenvolvimento das habilidades de coordenação motora fina. Porém, essa característica, apesar de não ser considerada no diagnóstico médico, é muito comum entre crianças e adolescentes com TEA.

Broun (2009) apontou que a conceitualização do Autismo como um transtorno motor foi inicialmente trazida a público em 1995 pelos pesquisadores Donnellan e Leary. Desde então, um crescente número de pesquisadores tem se voltado para as dificuldades motoras apresentadas por crianças com Autismo (Green, Baird, Barnett, Henderson, Huber & Henderson, 2002; Leary & Hill, 1996; Ming, Brimacombe & Wagner, 2007; Miyahara et al., 1997). Segundo Broun (2009), os pesquisadores encontraram significantes diferenças e anormalidades neuroanatômicas no cerebelo de pessoas com TEA, tanto em nível celular quanto estrutural. Essas diferenças causam anormalidades neurológicas que podem gerar os déficits nos movimentos e na execução de tarefas motoras pelos autistas (Allen & Courchesne, 2003; Cattaneo et al., 2007; Nayate, Bradshaw & Rinehart, 2005; Rodier, 2000). A autora afirma, ainda, que a disfunção motora é, atualmente, considerada por alguns pesquisadores (Mayes & Calhoun, 2003; Ming et al., 2007; Smith, 2004) como sendo um sinal mais brando ou sintoma associado de Autismo. Sintoma esse que não é considerado para o diagnóstico, mas é altamente prevalente no espectro.

Broun (2009) afirma que duas das principais dificuldades motoras apresentadas por autistas são: hipotonia (baixo tônus e força muscular) e apraxia (prejuízo na habilidade de executar movimentos hábeis, apesar de possuir a habilidade física e o desejo de executar). A autora discute que essas condições afetam diretamente a habilidade do indivíduo de usar suas mãos e tem um impacto significante sobre a habilidade do indivíduo de segurar e usar instrumentos de escrita.

Hans Asperger, em seu clássico artigo definindo a Síndrome de Asperger (Asperger, 1944/1991) descreveu quatro jovens que apresentavam prejuízos motores significantes. O autor enfatizou a pobre qualidade da escrita desses jovens. Segundo Broun (2009), indivíduos com Síndrome de Asperger[1] são, frequentemente, capazes de participar bem de atividades acadêmicas, embora apresentem dificuldades na escrita, tais como macrografia (letras grandes).

Tendo em vista essa dificuldade comumente encontrada na população diagnosticada com TEA, é fundamental que, na terapia individualizada, seja aplicado um programa de treino de habilidades motoras finas e treino grafomotor. Esse programa tem como objetivo ensinar habilidades motoras finas, relacionadas à coordenação motora, destreza, controle de força e propriocepção, que são pré-requisitos para o aprendizado de futuros movimentos necessários para atividades de vida diária e atividades acadêmicas, como, por exemplo: cortar alimentos, montar um prato, amarrar o cadarço, dobrar roupas, consertar objetos pequenos, desenhar, escrever, etc.

Para aplicação desse treino é necessário ter o programa detalhadamente descrito pelo analista do comportamento responsável, em parceria com o terapeuta ocupacional e o pedagogo da equipe de intervenção. Os materiais para as atividades devem ser acadêmicos (preparando a criança para esse contexto) e também lúdicos, ou seja, do interesse da criança (com temas e personagens que ela goste). Também é preciso separar possíveis reforçadores (objetos, alimentos ou atividades de interesse da criança) para serem utilizados como consequência após a execução de respostas esperadas, instalando e fortalecendo essas respostas.

No treino dessas atividades utilizamos o procedimento de Hierarquia de Dicas para evitar o erro (e, com ele, a desmotivação e o desinteresse na atividade). O aplicador deve partir da dica mais intrusiva (pegar na mão da criança e fazer todo o movimento com ela) e, gradualmente, ir passando para as dicas menos intrusivas (apenas direcionar o braço ou mão da criança para fazer o movimento correto; depois, apenas apontar o que a criança deve fazer, onde deve colar, encaixar, levar uma peça, etc.), até que a criança execute a tarefa de forma independente.

Essas atividades devem ser trabalhadas em contexto de Tentativas Discretas na terapia individualizada. Isto é, na mesa de terapia, com a criança atenta para o aplicador, esse apresenta uma das atividades descritas no programa (atividades grafomotoras ou de treino de habilidades motoras finas) e dá a instrução para a criança realizar a tarefa. Se necessário, o aplicador dá ajuda para isso. Imediatamente após cada resposta na tarefa, o aplicador elogia e disponibiliza um objeto, atividade ou alimento de interesse da criança.

Paralelamente ao treino em Tentativas Discretas, deve-se aplicar também o treino em contexto de Ensino Incidental que ocorre em ambiente natural, por exemplo, na escola. Nesse caso, por exemplo, a criança (que já aprendeu algumas habilidades motoras finas e grafomotoras na terapia) está na escola e o professor apresenta uma atividade grafomotora ou de treino de habilidades motoras finas para toda a turma e dá a instrução para as crianças realizarem a tarefa. Se necessário, o professor ou o AT (acompanhante terapêutico) dá ajuda para a criança executar a tarefa. Imediatamente após cada resposta na tarefa, o professor ou o AT elogia e deixa a criança continuar a atividade.

O Ensino Incidental também pode ocorrer em casa, por exemplo, durante um momento de brincar livre a criança pega um livrinho com atividades de pintura, cobrir pontilhados, ligar, desenhar, etc. O aplicador (pais ou cuidadores) se aproxima, senta-se com a criança e a estimula fazer uma das atividades do livro. Se necessário, o aplicador dá ajuda para isso. Imediatamente após cada resposta na tarefa, o aplicador elogia e deixa a criança escolher a próxima atividade que quer fazer.

O programa de treino de habilidades motoras finas deve envolver atividades que estimulem a preensão palmar, a força e a destreza manual como, por exemplo: colocar clipes no papel (pode-se estimular que a criança coloque os clipes coloridos em papéis com a mesma cor); pregar pregadores de roupa (sugere-se brincar de pregar os pregadores nas próprias roupas da criança e do aplicador); pegar objetos (Ex.: bolinhas de algodão) com pegadores de macarrão; etc.

Esse programa também deve focar o treino do movimento de pinça em atividades como: brincar de colocar a quantidade pedida de objetos pequenos (como miçangas, MMs, grãos de feijão, etc.) em potinhos ou formas de gelo; colocar moedas no cofrinho; colocar palitos de dentes no saleiro; colocar miçangas no barbante para fazer colares e pulseiras (enfiagem); jogos de alinhavo (passar cadarço nos buracos costurando uma imagem de interesse); colocar miçangas dentro da geleca ou da massinha para a criança procurar e tirar as miçangas; etc.

As habilidades necessárias para as atividades rotineiras também devem ser treinadas neste programa como, por exemplo, abrir e fechar zíper e botão; amarrar cadarço; abrir e fechar fivelas; velcro; etc. Existem brinquedos educativos que apresentam essas atividades, como no exemplo abaixo:



Preparando para o treino do recorte, começamos com o rasgar papéis, depois passamos para o recorte de tiras finas de papel, que exija apenas um movimento de abrir e fechar com a tesoura. Finalmente, seguimos para o recorte de tiras mais grossas, que envolvem mais de um movimento de abrir e fechar da tesoura. Em seguida, treinamos o recorte de formas geométricas retas e, por fim, formas circulares. Em alguns casos pode ser necessário começar esse treino com tesouras adaptadas, que exijam apenas o movimento de fechar a tesoura, pois ela abre sozinha (como um alicate). Segue um exemplo:



A colagem deve começar com cola bastão e depois passar para a cola líquida, que exige maior controle da força na mão. Sugere-se treinar o colar em espaço delimitado, já preparando para as atividades escolares. Os carimbos também são bons para treinar a força na mão e a noção de espaço, carimbando dentro de um espaço delimitado.

Com massinha pode-se estimular, além da destreza motora, a representação, ou seja, estimular que a criança modele algo da realidade, por exemplo: sol, casa, árvore, sorvete, pizza, menino, etc.

Em nível mais avançado, preparando para a escrita, deve-se trabalhar a perfuração, ou seja, colocar um desenho de interesse da criança sobre uma placa de isopor (pode-se usar bandejas de frios) e pedir que a criança fure o desenho com um lápis nos locais delimitados por pontos. Esta atividade trabalha a força na mão necessária para a escrita, o pegar corretamente no lápis e a precisão do movimento, afinal a criança deve posicionar o lápis no ponto delimitado antes de perfurar.

O treino de cobrir pontilhados também é precursor da escrita. Pode-se começar com linhas retas, depois linhas curvas, formas geométricas, desenhos de interesse da criança e, finalmente, números, letras e palavras. Outro treino interessante é o de traças em pranchas ou moldes vazados, como no exemplo abaixo:



Depois disso o treino da escrita segue para a cópia e o ditado, conforme o processo de alfabetização da criança. Vale lembrar que o processo de alfabetização não deve esperar que a habilidade grafomotora se desenvolva completamente e a criança consiga escrever. Se a escrita for difícil para a criança, a alfabetização deve seguir com auxílio de computadores e tablets (digitação) e, enquanto isso, paralelamente, dá-se continuidade ao treino grafomotor para chegar à escrita à mão.

O treino grafomotor deve envolver, ainda, a pintura dentro de espaços delimitados, começando com formas geométricas e, depois, passando para desenhos do interesse da criança e espaços gradualmente menores. Nesse treino usamos, inicialmente, o contorno saliente com barbante, palito de picolé, cola colorida (seca) ou cola quente (seca) que ajuda a criança a manter a pintura dentro do espaço delimitado. Com o tempo, este auxílio deve ser retirado. A pintura deve ser apresentada com diversos materiais, como: lápis de cor, cola colorida, tinta, giz de cera, etc.

Esse programa também envolve o treino do desenho, começando com atividades de cobrir desenhos em pontilhado, depois completar partes que faltam em um desenho simples, copiar desenhos e, finalmente, desenhar sem modelo.

As respostas a todas estas atividades devem ser registradas, bem como o tipo de ajuda necessário em cada atividade. Assim, o desempenho da criança poderá ser analisado e, com base nesta análise, serão definidos os próximos passos.
Referências Bibliográficas:

Allen, G. & Courchesne, E. (2003). Differential effects of developmental cerebellar abnormality on cognitive and motor functions in the cerebellum: An fMRI study of autism. American Journal of Psychiatry, 160, 2.

Asperger, H. (1991). “Autistic psychopathy” in childhood. In U. Frith (Trans. & Annot.),Autism and Asperger syndrome (pp. 37-92). Cambridge, UK: Cambridge University Press. (Trabalho original publicado em 1944).

Broun, L. (2009). Take de pencil out of the process. Teaching Exceptional Children, 42(1), pp. 14-21.

Cattaneo, L., Fabbri-Destro, M., Boria, S., Pieraccini, C., Monti, A., Cossu, G. et al. (2007, Nov. 6). Impairment of action chains in autism and its possible role in intention understanding. Proceedings of the National Academy of Science, 104(45), 17825-17830. Disponível em www.pnas.org .

Donnellan, A. & Leary, M. (1995). Movement differences and diversity in autism/mental retardation: Appreciating and accommodating people with communication and behavior challenges. Madison, WI: DRI Press.

Green, D., Baird, G., Barnett, A. L., Henderson, L., Huber, J. & Henderson, S. E. (2002). The severity and nature of
motor impairment in Asperger syndrome: A comparison with specific developmental disorder of motor function. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 43(5), 655-668.

Leary, M. R. & Hill, D. A. (1996). Moving on: Autism and movement disturbance.Mental retardation, 34, 39-53.

Mayes, S. & Calhoun, S. (2003). Ability profiles in children with autism: Influence of age and IQ. Autism, 7, 65.

Ming, X., Brimacombe, M & Wagner, G. C. (2007). Prevalence of motor impairment in autism spectrum disorder. Brain & Development, 29, 565-570.

Miyahara, M., Tsujii, M., Hori, M., Nakanishi, K., Kageyama, H. & Sugiyama, T. (1997). Brief report: Motor incoordination in children with Asperger syndrome and learning disabilities. Journal of Autism and Developmental Disorder, 27, 595-603.

Nayate, A., Bradshaw, J. L. & Rinehart, N. L. (2005). Autism and Asperger’s disorder: Are they movement disorders involving the cerebellum and/or basal ganglia? Brain Research Bulletin, 67, 327-334.

Rodier, P. (2000, February). The early origins of autism. Scientific American, 282(2), 56-63.

Smith, I. M. (2004). Motor problems in children with autism spectrum disorders. Em D. Dewey & D. E. Tupper (Eds.). Developmental motor disorders: A neuropsychological perspective. (pp. 152-168). New York: Guilford.

[1] De acordo com o DSM V, o diagnóstico de Síndrome de Asperger passou a fazer parte do diagnóstico de TEA – Transtornos do Espectro do Autismo.
Autismo Saúde Mental e Desenvolvimento Atípico Psicologia Infantil e do Desenvolvimento

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Esforço e resiliência


Publicado por Maria Célia Becattini


Por IAB – Instituto Alfa e Beto 

Post original: Sucesso não é mérito da inteligência, mas do esforço



“Crianças que são elogiadas por seu talento inato, por exemplo, desenvolvem uma crença implícita de que a inteligência nasceu com elas, e acabam pensando que o esforço para aprender algo novo é menos importante do que ser inteligente para aprender aquilo. O problema está em que essa crença também faz com que elas vejam desafios, erros, e até mesmo a necessidade de exercer um esforço, como ameaças ao seu ego – e não como oportunidades para melhorar. Isso faz com que percam a confiança e a motivação quando o trabalho não é mais fácil para elas. A capacidade de se esforçar diante de um problema é chamada de resiliência e deve ser incentivado em casa e na escola.”




Estamos acostumamos a pensar que possuir inteligência “superior” ou algum tipo de habilidade (ou dom), juntamente com um senso de confiança, é a receita para o sucesso na vida, tanto escolar quanto profissional. No entanto, a investigação científica produzida nos últimos 35 anos mostra que uma ênfase exagerada na inteligência ou no talento pode, na realidade, deixar as pessoas vulneráveis ao fracasso, com medo de desafios e desmotivadas a aprender.

Um artigo divulgado* este ano pela revista Scientific America, uma das principais publicações científicas do mundo, mostra que incentivar os avanços no processo de desenvolvimento, em vez da inteligência ou talento, produz grandes empreendedores na escola e na vida. A autora do artigo é Carol S. Dweck, que atualmente é professora psicologia da Universidade Stanford, nos Estados Unidos. Ela garante: não adianta incentivar seu filho ou seu aluno dizendo que ele é inteligente.

Para ela, e para outros pesquisadores que acompanharam seus estudos ao longo de três décadas, pais e professores podem garantir o crescimento cognitivo das crianças elogiando-as por sua persistência ou estratégias para resolução de problemas (em vez de ressaltar sua inteligência). Segundo ela, ao contar histórias de sucesso que enfatizam o trabalho duro e amor pelo aprendizado, ensinamos às crianças que o cérebro é semelhante a uma máquina, que precisa ser constantemente atualizada para ter um bom funcionamento (confira abaixo uma lista de estratégias para incentivar as crianças).

O perigo da desistência - As pesquisas de Carol Dweck começaram na década de 1960, quando ela se deparou com um estudo feito com roedores que mostrava que após muitas falhas os animais deixavam de tentar completar um percurso, ficando estáticos e sem esperança. Os pesquisadores concluíram que os animais aprendiam a não ter esperanças, mesmo quando tinham a possibilidade de agir – isso porque não receberam incentivo para superar os desafios.

Dweck ficou intrigada com a “desesperança aprendida” demonstrada pelos animais e decidiu investigar mais a fundo o tema.

Segundo ela, essa “desesperança” está ligada à crença das pessoas a respeito dos motivos que as levaram ao erro. Ao longo das décadas seguintes, ela observou como esse comportamento se dava com estudantes do ensino fundamental. Em um dos estudos, ela notou que a falta de esforço (e não de capacidade) fazia com que os alunos cometessem mais erros ao tentar solucionar problemas matemáticos. Separando as crianças em dois grupos, ela notou que o grupo que recebeu apenas elogios sobre o “quanto eram inteligentes” não conseguia encontrar saída para solucionar problemas mais complexos. Enquanto o grupo que recebeu elogios sobre o “quanto eram esforçados” conseguiu driblar as dificuldades e avançar.

Estudos subsequentes mostraram que isso acontece porque os alunos mais persistentes não ficavam pensando sobre sua própria falha. Eles focavam o trabalho em encontrar os erros cometidos ao longo do processo e em tentar corrigi-los para avançar. Essa capacidade de se esforçar diante de um problema é chamada de resiliência.

Como superar os desafios – Desenvolver a resiliência é um processo que começa no início da vida e deve ser incentivado em casa e na escola.

Crianças que são elogiadas por seu talento inato, por exemplo, desenvolvem uma crença implícita de que a inteligência nasceu com elas, e acabam pensando que o esforço para aprender algo novo é menos importante do que ser inteligente para aprender aquilo. O problema está em que essa crença também faz com que elas vejam desafios, erros, e até mesmo a necessidade de exercer um esforço, como ameaças ao seu ego – e não como oportunidades para melhorar. Isso faz com que percam a confiança e a motivação quando o trabalho não é mais fácil para elas.

A pesquisadora conclui que elogiando habilidades inatas das crianças, reforçamos essa mentalidade, impedindo que desenvolvam seu potencial, seja em alguma disciplina, seja nos esportes ou até em relacionamentos pessoais. As pesquisas concluem que incentivar o processo (que nada mais é do que a soma de esforço pessoal com estratégias eficazes), ajuda a direcioná-los para o sucesso na vida acadêmica e pessoal.

Para finalizar, reproduzimos abaixo uma lista de dicas simples indicadas pela pesquisadora americana para pais e professores mudarem suas estratégias diante das crianças. Confira:

– Em vez de dizer “como você é inteligente”, diga “você fez um bom trabalho” e explicite os fatores que fazem daquele um trabalho a ser elogiado;

– Em vez de apenas elogiar a nota alta obtida em uma prova, foque o elogio no processo, dizendo, por exemplo: “Você realmente estudou para seu teste. Você leu o material várias vezes e testou-se sobre ele. E realmente funcionou!”;

– Em vez de focar no resultado da resolução de um problema, aponte as estratégias usadas pela criança, dizendo, por exemplo: “Eu gosto do jeito que você tentou essa série de estratégias diferentes no problema até finalmente resolvê-lo”;

– Elogie o tempo de estudo, focando no quanto o tempo dedicado influenciou o resultado. Por exemplo: “Você ficou em sua mesa e manteve sua concentração, por isso conseguiu achar a solução. Isso é ótimo!”;

– Não aponte o erro como uma falha imutável. Pelo contrário, mostre que o erro é apenas um desafio a ser superado e ofereça ferramentas para que a criança possa superá-lo e seguir adiante.

Tudo isso irá fazer com que a criança cresça e perceba que o sucesso não é uma questão de inteligência ou classe social, mas sim um mérito do esforço. E isso também vale para nós, adultos!

4 atitudes que enfraquecem o vínculo emocional com seus filhos


Publicado por Maria Célia Becattini

Ser pai, mãe, avô, avó e, além disso, um educador eficaz, não é fácil. Cada criança vem a este mundo com necessidades próprias que devemos saber atender, com virtudes a serem potencializadas e emoções que devem ser incentivadas, orientadas e desenvolvidas.

Educar não é apenas ensinar as crianças a ler ou mostrar como podem realizar seu trabalho de pesquisa para o colégio com o computador. Ser pai ou mãe não é presentear os filhos com um telefone celular em seu aniversário, nem assegurar-nos de que colocamos o cinto de segurança neles cada vez que entram no carro. É muito mais que tudo isso.

Educar também é saber dizer “Não” e, ao mesmo tempo, dizer “Sim” com o olhar, porque educar não é apenas proibir, mas abrir o coração para os nossos filhos e reforçar cada dia o vínculo emocional que temos com eles, dando a entender que estamos juntos em cada instante para proporcionar-lhes maturidade como pessoas felizes e capazes.

Contudo, em algumas situações, mesmo que conheçamos a teoria não a aplicamos na prática. Além de pais e mães, também somos casal, empregados, empresários ou pessoas que querem trocar de emprego e que, possivelmente, ainda querem atingir novos objetivos profissionais. Tudo isso ocorre concomitantemente em nosso cotidiano e, sem saber como, começamos a cometer erros na educação de nossos filhos.

Se você for pai, se lembrará de quando foi filho e saberá, sem dúvida, o que você mais valorizou – e ainda valoriza! – ou do que mais sentiu falta nos seus dias de infância. Se a sua infância não foi especialmente feliz, entenderá quais aspectos romperam este vínculo emocional com os seus pais, esses erros que não devem ser repetidos sob nenhuma hipótese com seus filhos.

Falemos sobre isso.


1. Não os escutar
As crianças falam e também perguntam muito. Pegam você de surpresa com mil questionamentos, inúmeras dúvidas e centenas de comentários nos momentos mais inoportunos. Desejam saber, experimentar, querem compartilhar e desejam compreender tudo que acontece diante delas.



Tenha bastante claro que, se você mandar que fiquem quietas, se você as obrigar a ficar em silêncio, ou se não atender suas palavras, respondendo com severidade ou de forma rude, isso fará com que, no curto prazo, a criança deixe de se dirigir a você. E o fará privilegiando seus próprios espaços de solidão, atrás de uma porta fechada que não desejará que você cruze.


2. Castigá-los, transmitindo-lhes falta de confiança
São muitos os pais que relacionam a palavra educação com punição, com proibição, com um autoritarismo firme e rígido em que tudo se impõe e qualquer erro é castigado. Este tipo de conduta educativa resulta em uma falta de autoestima muito clara na criança, uma insegurança e, ao mesmo tempo, uma ruptura do vínculo emocional com eles.

Se castigamos não ensinamos. Se me limito a dizer para a criança tudo o que ela faz de errado, jamais saberá como fazer algo bem. Não dou a ela medidas ou estratégias, limito-me a humilhá-la. E tudo isso gerará nela raiva, rancor e insegurança. Evite sempre esta atitude.


3. Compará-los e rotulá-los
Poucas coisas podem ser mais destrutivas do que comparar um irmão ao outro ou uma criança a outra para ridicularizá-la, para dar a entender suas escassas aptidões, suas falhas, sua pouca iniciativa. En algumas ocasiões, um erro que muitos pais cometem éfalar em voz alta diante das crianças como se elas não os escutassem.

“É que o meu filho não é tão inteligente como o seu, é mais lento, o que se pode fazer”.Expressões como estas são dolorosas e geram neles um sentimento negativo que causará não apenas ódio em relação aos pais, mas um sentimento interior deinferioridade.


4. Gritar com eles e apoiar-se mais nas ordens do que nos argumentos
Não trataremos aqui de maus tratos físicos, pois acreditamos que não há pior forma de romper o vínculo emocional com uma criança do que cometer este ato imperdoável.

Mas temos de ser conscientes de que existem outros tipos de maus tratos implícitos, quase igualmente destrutivos. É o caso do abuso psicológico, esse no qual se arruína a personalidade da criança por completo, sua autoimagem e a confiança em si mesma.



Há pais e mães que não sabem dirigir-se de outra forma a seus filhos, sendo sempre através de gritos. Levantar a voz sem razão justificável provoca um estado de euforia e estresse contínuo nos filhos; eles não sabem em que se apoiar, não sabem se fizeram algo bom ou mau. Os gritos contínuos enfurecem e fazem mal, já que não há diálogos, apenas ordens e críticas.

Deve-se ter muito cuidado com estes aspectos básicos. O não escutar, o não falar e o não demonstrar abertura, compreensão ou sobrepor a sanção ao diálogo são modos de ir afastando aos poucos as crianças do nosso lado. Elas nos enxergarão como inimigos dos quais devem se defender e romperemos o vínculo emocional com eles.

Educar é uma aventura que dura a vida toda em que ninguém é um verdadeiro especialista. Contudo, basta apoiar-se nos pilares da compreensão, do carinho e em um apego saudável que proporcione a maturidade e a segurança nesta pessoa que é também parte de você.

Imagem cortesia: Gabriela Silva, Nicolás Gouny, Whimsical

sábado, 14 de novembro de 2015

10 Sinais de que seu Filho pode ter Dislexia

Publicado por Maria Célia Becattini

"10 Sinais de que seu Filho pode ter Dislexia"

Muitas crianças tem dificuldade de aprendizagem, neste caso, seria ideal que todas fossem testadas para detectar se elas tem dislexia. Porém, o sistema educacional brasileiro é deficiente e há uma falta de recursos na maioria das escolas do país. Este caso, é importante que pais e professores fiquem atentos aos sinais de dislexia para que possam ajudar seus filhos e alunos.



O primeiro sinal de provável dislexia pode ser detectado quando a criança, apesar de estudar, tem grande dificuldade em assimilar o que é ensinado pelo professor. Crianças cujo desenvolvimento educacional é retardatário podem ser bastante inteligentes, porém, ter dislexia. O melhor procedimento a ser adotado é permitir que profissionais qualificados na área de saúde mental e educacional, examinem a criança para averiguar se ela é disléxica. A dislexia não é o único transtorno que inibe o aprendizado, mas é o mais comum e pode vir acrescido de TDAH ou outros transtornos.

Existem muitos sinais que identificam a dislexia. Crianças disléxicas tendem a confundir letras com grande frequência. Entretanto, esse indicativo não é totalmente confiável, pois muitas crianças, inclusive não-disléxicas, frequentemente confundem as letras do alfabeto e as escrevem de lado ao contrário, principalmente no inicio da alfabetização. No maternal, ou na alfabetização crianças disléxicas demonstram dificuldade ao tentar rimar palavras e reconhecer letras e fonemas. Na primeira série, elas não conseguem ler palavras curtas e simples, têm dificuldade em identificar fonemas e reclamam que ler é muito difícil. Do primeiro ao quinto ano, crianças que tem dislexia têm dificuldade em soletrar, ler em voz alta e memorizar palavras; elas também frequentemente confundem palavras. Esses são apenas alguns dos muitos sinais que identificam que uma criança tem dislexia. A dislexia é tão comum em meninos quanto em meninas.
Sinais na primeira infância:

Após vários estudos realizados, tanto no Brasil como no exterior, constataram-se possíveis sinais de dislexia na primeira infância, dentre os quais podemos citar:
1. atraso perceptível no desenvolvimento motor desde a fase do engatinhar, sentar e andar;
2. atraso relevante na aquisição da fala, desde o balbucio à pronúncia de palavras;
3. dificuldade para essa criança entender o que está ouvindo;
4. distúrbios do sono;
5. enurese noturna;
6. suscetibilidade às alergias e às infecções;
7. a criança tem tendência à hiper ou a hipo-atividade motora;
8. fica inquieta e chora muito ou fica agitada com muita frequência;
9. apresenta dificuldades para aprender a andar de triciclo;
10. tem dificuldades de adaptação nos primeiros anos escolares;


Segundo pesquisas científicas neurobiológicas recentes concluíram que o sintoma mais conclusivo acerca do risco de dislexia em uma criança, pequena ou mais velha, é o atraso na aquisição da fala e sua dificuldade na percepção fonética. Quando este sintoma está associado a outros casos familiares de dificuldades de aprendizado e a dislexia é, comprovadamente, genética, afirmam especialistas que essa criança pode vir a ser avaliada já a partir de cinco anos e meio, idade ideal para o início de um programa interventivo. Esses programas com profissionais adequados podem trazer as respostas mais favoráveis para superar ou minimizar essa dificuldade.

Quando a criança apresenta dificuldade de discriminação fonológica este fator leva a criança a pronunciar as palavras de maneira errada. Essa falta de consciência fonética, decorrente da percepção imprecisa dos sons básicos que compõem as palavras, acontece, já, a partir do som da letra e da sílaba. Essas crianças podem expressar um alto nível de inteligência, “entendendo tudo o que ouvem”, como costumam observar suas mães, porque têm uma excelente memória auditiva. Portanto, sua dificuldade fonológica não se refere à identificação do significado de discriminação sonora da palavra inteira, mas da percepção das partes sonoras diferenciais de que a palavra é composta. Esta é a razão porque a pessoa disléxica apresenta dificuldades significativas em leitura, que leva a tornar-se, até, extremamente difícil sua soletração de sílabas e palavras.



É necessário que estes sintomas sejam observados e averiguados para um possível diagnóstico, pois é melhor que este seja feito o quanto antes, para que haja o tratamento adequado no caso de dislexia e estes sintomas não influenciem negativamente na aprendizagem da criança.

Compartilhe esse artigo para que seus amigos reconheçam o problema. Um diagnóstico logo cedo pode fazer toda a diferença no aprendizado e na vida da criança.

Fonte: Ganhe Sempre Mais

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Dislexia: buscando uma nova forma de aprender

Publicado por Maria CéliaBecattini

O primeiro diagnóstico, levantado como suspeita pela proprietária da escola, foi déficit de atenção e hiperatividade, e a recomendação foi procurar ajuda médica
Redação Folha Vitória


A dislexia é um transtorno de aprendizagem definido pela dificuldade em ler e escrever
Foto: ​Divulgação

“O que o meu filho tem, por que ele não aprende?” Essa era a dúvida que não saía da cabeça da comerciante Elaine Cardoso Guedes Caetano. Foi quando seu filho Leandro estava com cinco anos que ela começou a perceber que apesar de ter sido um bebê bastante esperto, ter começado a andar aos nove meses e já andar de bicicleta antes dos dois anos, não conseguia acompanhar os amiguinhos na escola. Ele não conseguia entender os números e as cores, no outro dia já não lembrava o que tinha visto no dia anterior na aula e apresentava algumas dificuldades.

O primeiro diagnóstico, levantado como suspeita pela proprietária da escola, foi déficit de atenção e hiperatividade, e a recomendação foi procurar ajuda médica. A partir daí, foram várias consultas e inúmeros exames, todos com resultados dentro do normal, até que a neurologista e a psicopedagoga chegaram a um veredicto: Leandro tinha dislexia. Após o choque inicial e a busca por informações, começou a batalha da família.

“Na época eu não conhecia nada sobre dislexia. No início do tratamento ele tinha a autoestima muito baixa, se recusava a responder porque estava abalado, ele via as crianças fazerem e ele não conseguia. Depois desse período a neurologista e a psicopedagoga conseguiram se aproximar mais dele e então foi melhorando. Ele começou a tomar remédio e elas trabalhavam muito a autoestima, faziam joguinhos e ele se saía muito bem”, conta a mãe.

Hoje Leandro está com 15 anos e continua firme na luta com a ajuda de um médico neurologista. As doses de remédio já foram reduzidas e o seu desempenho com jogos e vídeos é excelente.

Entendendo a dislexia

A dislexia é um transtorno de aprendizagem definido pela dificuldade em ler e escrever. O que ocorre são falhas nas conexões cerebrais que trazem dificuldade para associar o símbolo gráfico e as letras ao som que elas representam. Assim, o diléxico não consegue organizá-los mentalmente numa sequência coerente. No Brasil, cerca de 5% da população sofre com o problema, de acordo com o Instituto ABCD, organização social voltada para jovens com dislexia e outras dificuldades de aprendizagem. No mundo, 17% das pessoas possuem o transtorno.

A doença é uma herança genética e não tem relações com distúrbios psicológicos, por isso não tem cura. O tratamento é multidisciplinar e envolve fonoaudiólogos, psicólogos, psicopedagogos e neurologistas e, se feito com regularidade, possibilita uma vida normal aos portadores do transtorno, já que o desenvolvimento intelectual e a capacidade de comunicação não são afetados, de acordo com especialistas.

O educador tem papel fundamental no diagnóstico de uma criança disléxica. É ele que vai perceber, durante a alfabetização, se a evolução do aluno está abaixo da esperada. Se for esse o caso, a criança deve ser submetida à análise de professores, psicólogos e fonoaudiólogos para saber se ela tem dificuldades pontuais ou se é disléxica.

Os sintomas não são difíceis de ser reconhecidos. Geralmente, crianças com dislexia costumam demorar mais para ler do que as outras, já que elas têm dificuldade em identificar palavras e associá-las a seus sentidos. Letras com sons parecidos, como P e T, costumam ser trocadas na escrita, o que acarreta erros ortográficos. Além disso, crianças disléxicas também têm dificuldade de memorizar regras de ortografia e até de juntar duas letras para formar uma sílaba simples.

Esses sintomas são sérios e reconhecidos pela legislação brasileira. Atualmente, o aluno disléxico e que apresenta transtornos relacionados à aprendizagem conta com várias leis em vigor para auxiliar seu aprendizado. O estudante tem direito a ter um intérprete para ajudá-lo na prova, a ditar a redação e pode usar calculadora para cálculos, por exemplo.

O mais importante é saber que o diagnóstico da dislexia não é uma condenação de não-aprendizagem. Com esforço, acompanhamento profissional e a parceria da escola com a família, o portador de dislexia tem grandes chances de até chegar a ser um Presidente da República, como o ex-presidente norte-americano Franklin Roosevelt. Sim, ele era disléxico!

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

A ideia de felicidade ocidental, baseada no individualismo, falhou


Publicado por Maria Célia Becattini

por: SONIA RACY



Roman Krznaric (Foto: Kate Raworth)

Fundador da The School of Life vem ao País dar palestras sobre compaixão e trabalho. Para o filósofo australiano, colocar-se no lugar do outro é a verdadeira revolução.

Há 20 anos, Roman Krznaric se inscreveu para um curso de culinária na Bahia; mas, como não conseguiu uma bolsa de estudos, declinou a viagem. Hoje, o filósofo australiano, um dos fundadores da The School of Life, na Inglaterra, finalmente conhecerá o Brasil. Abriu uma exceção para viajar de avião – ele se preocupa com as emissões de carbono – e virá ao País para uma palestra sobre trabalho, dia 22, no Teatro Augusta.

Escritor do best seller Como Encontrar o Trabalho da Sua Vida, o filósofo continua interessado em culinária, mas se dedica a incentivar o que chama de “questionamentos sobre a vida”. E a vida laboral, segundo o escritor, é uma das questões que causam mais insatisfação e inquietação no mundo contemporâneo. “Hoje, pessoas de todas as classes sociais começam a enxergar o trabalho como algo para além da sobrevivência. É uma ocupação que pode fazer você se sentir preenchido”, conta. A saída para a insatisfação, explica, tem algumas alternativas: aplicar seus valores pessoais no trabalho; procurar um emprego que faça diferença no mundo; e usar seus talentos e habilidades; entre outras. “Uma das maiores razões de satisfação no trabalho não é dinheiro, mas autonomia”, diz.

Além de aulas e conferências pelo mundo, o australiano toca, paralelamente, um projeto definido por ele como “a grande ambição de sua vida”: a criação de um Museu da Empatia. “Trata-se de um lugar onde você poderá entrar e conversar com pessoas que não conhece. Assim como emprestamos livros de uma biblioteca, será possível emprestar pessoas para uma conversa”, explica. O projeto não é de todo utópico. Segundo o filósofo, depois de um vídeo explicando seu conceito de empatia, com 500 mil visualizações, sua caixa de e-mail recebe, pelo menos, uma mensagem por dia de pessoas do mundo inteiro se propondo a ajudar na criação do museu.

É por meio dessa troca e da disseminação desse conceito de empatia que o filósofo acredita ser possível fazer uma revolução: “As pessoas acham que a paz e as revoluções são construções de acordos políticos. Mas acredito que é possível que isso seja feito nas raízes das relações humanas. Desmontando ignorâncias e preconceitos”, diz.

A seguir, os melhores momentos da entrevista.

No seu livro, o senhor fala que 60% das pessoas estão insatisfeitas com a vida profissional. Por que esse desconforto crescente?
Parte dessa insatisfação vem do fato de que, nos últimos 20 ou 30 anos, houve um grande crescimento de expectativa com relação ao trabalho. Antes disso, poucos se questionavam sobre seus empregos. Hoje, pessoas de todas as classes sociais começam a ver o trabalho como algo para além da sobrevivência. Uma ocupação pode fazer você se sentir preenchido. De taxistas a investidores de banco, médicos, faxineiras… todos procuram por mais significado no trabalho. Nasceu o conceito de que trabalho pode ser um lugar para se aplicar os talentos, as paixões, os valores.

Como essa mudança ocorreu?
À medida que as necessidades básicas são alcançadas, como casa, comida, educação, as pessoas buscam mais propósitos na vida. E, claro, hoje em dia há mais profissões. Na Europa do século passado, se você quisesse trabalhar com algo que envolvesse suas visões políticas e sociais, existiam poucas possibilidades. Atualmente, há um enorme mercado de trabalho para isso, como ONGs, órgãos de meio ambiente, sociais, em que as pessoas podem sentir que estão fazendo a diferença diariamente. Isso é algo novo. Ter um trabalho onde me sinto valioso e cheio de significados.

O senhor não acha que essa tendência contemporânea de que o emprego tem de ter alguma função social pode criar uma certa culpa coletiva?A maioria das pessoas não trabalha com algo que faz diferença para o mundo.

Sim. Nossos valores são grandes motivadores para o trabalho e para a satisfação laboral. E sim, existe uma culpa de quem pensa “se eu não estou trabalhando com meninos de rua, então sou uma pessoa ruim”. Entretanto, há outras maneiras de encontrar satisfação no trabalho. Uma delas é essa: aplicar seus valores pessoais na prática. Outra é usar seus talentos – sendo um artista ou um jogador de futebol, você não está necessariamente mudando o mundo, mas sua satisfação virá do uso de suas habilidades e paixões. Para mim, o maior problema não é a culpa, mas o arrependimento. É a sensação de chegar ao fim da vida e saber que não fez o que gostaria realmente de ter feito.

O que acha da corrente que defende que as pessoas trabalhem em casa, sozinhas?
Isso é um tópico contemporâneo muito importante. Nos últimos meses, especialmente nos EUA, as empresas não estão deixando seus funcionários trabalharem de casa. O exemplo mais clássico é a nova chefe executiva do Yahoo, Marissa Mayer, que há alguns meses não permite que seus funcionários trabalhem de casa. Isso é trágico. Uma das revoluções modernas laborais, no mundo ocidental, é a ideia de trabalhar de casa.

Por quê?
Uma das razões apontadas pela maioria das pessoas que são felizes no trabalho não diz respeito à remuneração, mas à autonomia. É o senso de liberdade, o poder de decisão sobre o próprio trabalho, que cria satisfação. Mesmo que não seja o emprego dos sonhos. Trabalhar de casa é uma dessas possibilidades. Controlar o próprio horário, a disciplina.

Recentemente, um estagiário se suicidou na Inglaterra, depois de trabalhar 72 horas seguidas. O que acha da cultura que incentiva trabalhar demais?

Muitas empresas fazem o culto do “overwork”, em que trabalhar muito, além da conta, é valorizado. Especialmente em bancos e consultorias. Na Inglaterra, um milhão de pessoas afirmam ser viciadas no trabalho. Ou seja, trabalham mais do que precisariam. A ideia de “work adiction” é um grande problema. O Japão é um caso clássico. Muitas pessoas cometem suicídio ou sofrem de ataque do coração, depois de trabalhar demais. Existe, inclusive, uma palavra no dicionário japonês para “morrer de tanto trabalhar”. Espero que isso seja uma mensagem para indivíduos e para essas empresas.

No livro, o senhor afirma que encontrar o “trabalho da vida” é como encontrar o amor perfeito.
Isso aprendi com uma mulher que, aos 30, pediu demissão e testou 30 profissões diferentes durante um ano. E ela me disse, no fim desse processo, que encontrar o emprego perfeito é como encontrar um amor perfeito. Você pode fazer uma lista com qualidades que gostaria num parceiro e, no fim, se apaixonar por um que não tenha nenhuma delas. Trabalho é isso. Empregos inesperados podem ser surpreendentemente bons. Por isso, experimentar é importante. Para se dar chance de descobrir novas paixões e talentos. O contrário também acontece.

Como?
Eu, por exemplo, trabalhei como jardineiro em um grande jardim público. O salário era ruim, mas achei que seria fantástico, porque estaria perto da natureza, fazendo algo para o público. No fim, trabalhava o dia inteiro, com um esforço físico enorme e as pessoas nem me notavam. Era invisível. Todos nós precisamos de respeito e sentir que nosso trabalho é válido.

O senhor acredita que o aspecto financeiro não provoca satisfação no emprego. No entanto, existe uma questão social, especialmente nos países em desenvolvimento, como o Brasil.
Sim, o dinheiro importa. Se você tem de ter dois empregos para alimentar a família, claro que não há tempo para ficar experimentando ser um professor de ioga, por exemplo. Nesses casos, a pergunta é: como posso fazer com que meu trabalho seja mais prazeroso?

Crê que as sociedades contemporâneas continuam incentivando o sucesso por meio das conquistas individuais?
Perseguir o interesse próprio foi a grande propaganda do último século. Entretanto, ser humano não é apenas seguir os desejos individuais. A ideia de felicidade ocidental falhou. A introspecção, o interesse próprio, perseguir valores que não envolvam o coletivo… Temos a tendência a sentir compaixão uns pelos outros. Somos criaturas empáticas. Há estudos que mostram que compaixão dá prazer. Somos também coletivos. Formamos comunidades de todos os tipos, o tempo inteiro. As pessoas estão, cada vez mais, querendo fazer parte de algo maior do que elas mesmas.

O senhor tem a ideia de criar um Museu da Empatia. O que é esse projeto?
É a maior ambição da minha vida. Estamos em desenvolvimento ainda. Trata-se de um lugar onde você pode entrar e conversar com pessoas que não conhece. Fazer um “laboratório humano”. Assim como você empresta livros de uma biblioteca, será possível “emprestar pessoas” para uma conversa. Nesse processo também quero criar uma plataforma online, em que será possível “baixar” exposições.

Como?
Você poderá estar em São Paulo e fazer parte do Museu da Empatia, dividindo histórias de como, por exemplo, você faz uma “conversa-refeição” – que é um conceito criado por nós na The School of Life. “Conversa-refeição” nada mais é do que estranhos que se sentam a uma mesa e, no lugar de um menu gastronômico, recebem um cardápio de ideais. Com questões sobre a vida, do tipo: “De que maneira o amor mudou a sua história?”, “Como ser mais corajoso?” ou “Como ter mais satisfação no trabalho”. Meu objetivo é que as pessoas possam baixar esses menus, com instruções para fazer isso em suas comunidades.

O senhor diz que a “empatia”, no sentido de compaixão, é algo capaz de criar uma revolução. Poderia explicar?

A ideia de empatia é, para mim, o ato de “calçar os sapatos de outra pessoa”. Olhar o mundo pela visão do outro. E, normalmente, quando pensamos nessas coisas, sempre consideramos um relacionamento somente entre duas pessoas. Entretanto, se olharmos a história, em todo o mundo, vemos que movimentos de empatia coletiva tiveram momentos de grande êxito. Em outros, sofreram um colapso e desapareceram, como no Holocausto e no genocídio de Ruanda. As pessoas podem agir juntas. Fazendo esse exercício de se colocar no lugar do outro, é possível, sim, mudar o mundo.

Tem um exemplo de um desses momentos?
Na Europa e nos EUA, no século 18, quando houve um grande movimento contra a escravidão. Foi disseminada uma grande reflexão sobre o que era ser escravo. De tempos em tempos, surgem pessoas que se organizam para desafiar atitudes de injustiça. E muitas dessas pessoas são motivadas pela empatia. Hoje, no Oriente Médio, há muitas iniciativas para criar paz entre palestinos e israelenses. As pessoas acham que a paz e as revoluções são construções de acordos políticos. Mas acredito que é possível que isso seja feito nas raízes das relações humanas. Desmontando ignorâncias e preconceitos. Há um enorme potencial no diálogo para comandar mudanças profundas nas sociedades.

Como nutrir esse sentimento em épocas de extremismos?
Nutrir empatia em um local cheio de preconceitos é difícil. A saída para isso é alimentar a curiosidade pelo outro. Nós não conversamos com quem não conhecemos. Esse seria um belo exercício de sensibilização. Ficamos muito tempo com pessoas que são como nós. /MARILIA NEUSTEIN

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Autoretrato

Publicado por Maria Célia Becattini

O caminho do autoconhecimento não é uma complexa jornada de provocações, muito menos um privilégio de iniciados. A resposta para a questão "Quem sou eu?" mora na simplicidade, nos sonhos da infância, no ato de respirar fundo e na coragem de dizer que somos falíveis. É nessa pausa que reconhecemos nosso contorno e valores e sabemos o que fazer com o amor e a agressividade, dando a eles destinos adequados na vida

Texto: Marcia Kedouk ; Fotos: Nick Dolding/Getty Images



Em dezembro de 1927, o romancista francês Romain Rolland, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 1915, escreveu ao amigo austríaco Sigmund Freud sobre o que chamou de sentimento oceânico, uma espécie de imensidão interior que parece permear a existência humana, como se cada um de nós fosse maior que si mesmo. Naquele início de século 20, Freud, discordando do romancista francês – para quem tal percepção provaria um elo com o eterno, a espiritualidade – respondeu que essa sensação, na verdade, não tinha caráter transcendental, ou seja, possuía causa bem humana. O fio da meada começaria nos primórdios da infância, quando a criança passa a perceber que ela e a mãe não são um ser único. Segundo o pai da psicanálise, surgiria ali uma vontade permanente de saber, afinal, quem somos. “Sou aquilo que acontece no período pós-dependência absoluta da mãe, quando tenho que lidar sozinho com os primeiros desafios”, responde o psicanalista José Henrique Pereira e Silva, coordenador do Espaço Winicott de Psicanálise, em São Paulo e Manaus. “Sou, portanto, alguém que experimentou algumas perdas, mas que pôde seguir em frente. Sou esse amadurecer para a realidade e para as relações com os outros; alguém que, com sorte, soube o que fazer com o amor e a agressividade, dando a eles destinos adequados na vida.”


Você e os outros
Nesse caminhar com as próprias pernas, cada um vai acrescentando à jornada não só os aprendizados como também um pedacinho das pessoas e dos lugares que se aconchegaram no íntimo ao longo dessa andança. Os pais e a casa, os amigos e o bairro, os professores e a escola, os amores e as viagens, os colegas, o trabalho. E, então, o “quem sou” se transforma em uma eterna colagem de referências. “Seus pais, por exemplo, escolheram seu nome, depois transmitiram valores e regras para a convivência em sociedade, mostraram perspectivas de futuro”, avalia Matheus Henrique Kunst, psicanalista e psicólogo clínico em Santo André e Mauá, em São Paulo. Tudo isso formou camadas que, pouco a pouco, moldaram a sua personalidade, o seu ego.

Nesse contexto, a profissão que você escolheu pode ter muito das expectativas de seus pais, e não suas. O seu ideal de felicidade também, porque ele espelha valores recebidos. Um exercício bacana para desvendar essa influência é perguntar-se qual é a sua visão de sucesso e comparar com o que seus pais pensam sobre o assunto. Eles acreditam que ser bem-sucedido é ter muito dinheiro, enquanto você já fi caria contente com o sufi ciente para viver? Eles querem vê-lo presidente de empresa, e sua vontade maior é conseguir tempo para conviver com quem você ama? Quando se começa a reconhecer quais são seus próprios desejos e quais são os dos outros, surge a possibilidade de separar quem você é daquilo que as pessoas acham que você deveria ser.

Essa autodescoberta, tão valiosa, geralmente se dá em um momento difícil, como a perda de um emprego ou de uma paixão. Quando a vida recebe um tranco, aqueles personagens que criamos – o funcionário dedicado, o amante perfeito – e que sustentavam o nosso dia a dia desmancham. E fi ca evidente que você não é nem o empregado nem o par romântico. Você é...

Uma das formas de começar a responder a esse dilema e entender a construção da sua história pessoal é voltar à infância e olhar com sinceridade e maturidade aquele ser que a princípio só sabia se ver com os olhos dos pais e, depois, pelo julgo dos parentes, amigos e professores. Pergunte à criança que você foi o que realmente importa para ela, do que gosta, o que a faz feliz. Reflita também sobre as fantasias que ela criou e que não fazem mais sentido. Todas essas informações serão úteis na sua montagem interior atualizada. A conversa é com você mesmo, mas também pode funcionar pedir ajuda a um amigo ou recorrer a um terapeuta. Falar sobre anseios e sofrimentos é escutar a si mesmo. Para os psicanalistas, avançamos nos nossos questionamentos até onde o consciente nos permite. Com o auxílio de um par que sirva de ouvinte e condutor, podemos ver apontamentos que ainda não são claros, porque estão no inconsciente.

O trabalho, no entanto, não termina nessa autoanálise. O educador físico Marco Schultz, coprodutor do filme Eu Maior, sobre autoconhecimento e a busca da felicidade, acredita que o caminho se aprofunda quando, depois de tudo o que descobrimos sobre nós mesmos, nos calamos. Porque no silêncio mora a nitidez que nos falta na turbulência dos dias.


Você e o silêncio
Um jovem procura o mestre em busca de respostas para seus problemas. Na presença dele, começa a falar, falar e falar. Comenta sobre a escola, a família e os amigos, expõe suas inquietações. O mestre, percebendo o estado mental do discípulo, começa a colocar chá na xícara do rapaz e vai deixando a bebida transbordar lentamente até derramar sobre a mesa. O jovem continua falando e, tão absorto que está em seus vários dilemas, só percebe o que está se passando quando o chá quente derrama sobre suas pernas. Dá um grito, então, e pergunta se o mestre não percebeu o que fazia. “Você é que não está percebendo nada”, pondera o mestre. “Chegou aqui como esta xícara cheia de chá: não há espaço para nada em sua mente. Nenhuma resposta vai caber para você enquanto sua mente não se esvaziar.” Quem conta essa parábola é Sandro Bosco, professor de meditação e ioga, palestrante e autor do livro Meditação para Quem Acha que Não Consegue Meditar (ed. Matrix). Ele acrescenta que o autoaprendizado é tão simples que parece complicado. “A gente precisa de respostas complexas para justificar as nossas dificuldades. Somos levados por pensamentos cartesianos, em que dois mais dois resultam em quatro. Mas entender racionalmente quem somos é só uma parte do processo, só um nível de percepção”, diz. O estágio mais profundo dessa descoberta não está nas palavras. “Quando você pergunta a um professor ou mestre de artes marciais ou ioga como desvendar o ‘quem sou eu’, ele diz: ‘Se há dúvida, fica em silêncio e observa a tua respiração’. A resposta não é verbal, é um sentimento interno. Para quem está confuso, com a mente cheia de problemas, essa resposta nunca vai parecer sufi ciente”, explica Bosco. Na verdade, isso significa que o autoconhecimento não é privilégio daqueles que seguem alguma filosofia espiritualista. Prestar atenção ao ato de respirar não requer regras. Dá para fazer isso na mesa do escritório, passeando no parque, antes de dormir. O importante é desenvolver o hábito de, todo dia, perceber o ar entrando, circulando e saindo. É assim que se retoma a intimidade com quem você é. E essa intimidade é que ajuda a distinguir seus contornos.

Claro, algumas técnicas de meditação e posturas aprimoram a prática. Servem de facilitadores, ainda mais em um mundo hiperconectado, em que a quantidade e a velocidade das informações que chegam mantêm o cérebro atuando em alta frequência. Para minimizar a ansiedade e o estresse – duas emoções que sobrepõem véus entre você e seu eu –, existem inclusive pousadas e hotéis dedicados ao silêncio. Alguns têm regras rígidas, como em um retiro, e definem que não se pode conversar por 15 dias. Outros são apenas lugares projetados para isolar barulho e manter o hóspede na calmaria da mente. De qualquer forma, a falta de mestres ou de templos não precisa virar mais um porém nesse caminho. Às vezes, tudo de que você precisa é pisar descalço na grama.

Você e o infinito
Existe algo de místico na natureza, um saber universal e democrático que nos liga a quem somos sem que a gente tenha a necessidade de explicações. “Do mesmo modo como a Terra gira em torno de si mesma e em volta do Sol, gerando as estações, não precisamos pensar para respirar. A natureza do ego é querer e querer mais: quando você chega a uma resposta, quer outra”, diz Bosco. O autoconhecimento nunca acaba. É como uma bússola que está em constante ajuste. E que depende da nossa sensibilidade e autenticidade; inclusive para reconhecer que, em certos momentos, precisamos abandonar a ideia de corresponder a expectativas para ser quem realmente somos. Chega uma hora em que nem precisamos fazer esforço para observar esse movimento acontecer.

Lembre-se das vezes em que você contemplou o mar por longos segundos, ouviu o cantar dos pássaros, pisou a areia molhada. A sensação é de que esse contato leva a um estado mais ancestral, e permite silenciar barulhos, ter mais clareza da sua essência. É que a natureza guarda uma sabedoria milenar que nos conecta a ela. Como somos parte desse imenso todo, temos em nós um infinito. Alguns dão a isso o nome de Deus, espiritualidade. Outros reconhecem ali coerências científicas. Não importa qual caminho você escolha. Se mais Freud, se mais Rolland. “O importante é perceber que o autoconhecimento é uma trajetória em direção àquilo que existe antes e além de você mesmo”, diz Schultz. “Não há um outro lado nessa jornada. Existe um caminhar em que o menos importante é o ponto de chegada”, acrescenta Silva.

Quando a gente começa a trilhar o caminho do redescobrimento, é comum alimentar a expectativa de que vai desbravar todo o território, do núcleo até as bordas que separam o eu do resto. Mas não. Na realidade, acontece uma expansão de fronteiras. Imagine que você é uma ilha que, pelos seus cálculos, tem 10 metros quadrados. Depois do início da busca, suas descobertas o levam até os seus extremos. E então fica evidente que seu tamanho é maior: uns 50 metros quadrados, talvez. Ao chegar até esses novos limites, percebe-se que são mil, 10 milhões, 100 bilhões de metros quadrados... Na imensidão de quem você é, sempre haverá mais para conhecer.

sábado, 24 de outubro de 2015

O BRINCAR E A LINGUAGEM, PONTES PARA SER REALMENTE HUMANO

Publicado por Maria Célia Becattini
24 DE OUTUBRO DE 2015


O BRINCAR E A LINGUAGEM
Pontes para ser realmente humano

Rosemeire Laviano
Fonte: www.idwaldorf.com.br – clique e conheça



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“As crianças que brincam livremente, que criam suas brincadeiras, que possuem contato diário com a natureza, recebem contato interessado e amoroso dos adultos certamente são mais inteligentes, capazes de não só nomear, mas de perceber, estabelecer relações e interagir no ambiente sensorial e emocional. Enfim perceber a si, o outro e o ambiente. A natureza programou todas estas etapas com cuidado e elas necessitam de tempo para acontecerem. A primeira infância é tempo de perceber, ouvir canções e histórias, brincar, cantar… É tempo de intenso movimento! Precisamos confiar nas forças que nela atuam, esperar que ela cresça até que tudo esteja amadurecido e pronto.”



Quando vemos uma criança muitas vezes temos a sensação de estarmos diante de um ser tão simples. Sequer nos damos conta dos processos interiores e exteriores que a criança vive e que determinarão seu desenvolvimento.

Parece que para nós basta que ela cresça.

Para que uma criança se desenvolva de maneira saudável, muitos aspectos devem ser considerados: alimentação, sono, ritmo, afeto e brincar.

Podemos considerar que por um lado, seu desenvolvimento é determinado pelos cuidados e pelo ambiente externo. Por outro lado, em toda criança reside a força de crescer e se desenvolver que fluem de dentro para fora. O brincar possui especialmente esta característica. Através do impulso de brincar a criança descobre o mundo exterior e também se reconhece no mundo.

O mundo exterior é composto de tudo que está ao redor da criança (objetos e natureza) além das pessoas e seres que a
circundam. Através deles e se relacionando com eles a criança aprende. Dois fatores vamos agora considerar nesse processo de aprendizagem: o movimento e a linguagem.

Quando pensamos em uma criança brincando logo nos vem à cabeça que ela está em movimento. Sua essência é volitiva desde a vida intra-uterina e é exatamente de maneira volitiva que a criança vai apreender o mundo através de seus sentidos e se inserir neste mundo como individualidade. Especialmente durante os sete primeiros anos de vida a criança precisa do movimento para se desenvolver corretamente. Para se inserir e lidar corretamente com as leis da natureza ela precisa mover-se.

Neste constante movimento, aparentemente um simples brincar, milhões de processos ocorrem e levam ao amadurecimento dos sistemas neurosensorial, rítmico e motor. Através do pegar, subir, correr, pular, etc, habilidades são conquistadas para o resto da vida tais como definição de dominância lateral, equilíbrio, geografia corporal, orientação espacial, entre tantos outros.

É ao mesmo tempo encontrar a si mesmo e encontrar o mundo, pura descoberta. Do ponto de vista da linguagem o processo de aprendizagem também já se inicia na vida intra-uterina. As reações aos fonemas ouvidos pela criança já podem ser observadas.

O choro, os gritinhos e o balbucio são a linguagem dos bebês. Daí em diante há um mundo repleto de substantivos, adjetivos e verbos que vão se integrando ao vocabulário da criança nesse mesmo processo de apreender o mundo e se inserir nele.

As capacidades de falar, usar a língua materna e se comunicar através da linguagem são essenciais nesta fase, tão desafiadores quanto pular, correr, subir, descer… A progressão natural para essa grande aprendizagem passa por escutar, cantar, falar, desenhar, escrever e depois ler. Precisamos lembrar que o cantar antecede o falar as palavras. Um bebê pode cantarolar imitando. Muitas vezes ao querer um objeto ele aponta para ele fazendo sons que ainda não se constituem em palavras, faz um gesto que já comunica, um rudimento de linguagem.

As estruturas mentais que a criança vai movendo e criando na sua comunicação são as sementes para o desenvolvimento da
capacidade de formular pensamentos e fazer uso da linguagem. Através da linguagem ela poderá denominar, reconhecer, criar, se expressar e estabelecer relações como ser humano. Sentimentos e intenções podem ser comunicados através da habilidade de utilizar e combinar palavras que vivem no mundo ao seu redor.

A grande questão aqui é como ocorre a intersecção entre brincar e linguagem?

A linguagem existe como um ser e a criança, tanto quanto no brincar necessita se mover dentro dela para que a apreenda.

“A linguagem é uma força que modela nossa realidade, assim como a realidade modela a linguagem” – Pearce, Joseph C.
(pág. 135,1992)

Por incrível que pareça, ocorre uma reação muscular automática aos sons dos fonemas que a criança ouve. Ao ouvir uma pessoa falando nós imitamos todos os movimentos por ela produzidos em seu aparelho fonador, inclusive os músculos da laringe, através de micro movimentos em nosso próprio aparelho fonador. Na criança isto ocorre de maneira generalizada, todo seu corpo se move reagindo aos fonemas ouvidos. Toda sua percepção é orientada pelos sons
ouvidos e seus músculos fazem movimentos de reação. Assim, as palavras podem sincronizar a percepção sensorial e os músculos, organizando campos neurais que geram estruturas de conhecimento.

A capacidade de falar é essencialmente humana, cria pontes entre um ser humano e outro. Através mesmo dos fonemas, um campo emocional se cria gerando diferentes reações emocionais e movimentos. As palavras possuem uma força extraordinária pois além de dar nomes às coisas, carregam em si estados emocionais e invocam acontecimentos.

Uma criança bem nutrida de palavras consegue estabelecer um vínculo saudável com o adulto e desenvolve um vocabulário melhor.

Quando uma criança começa a falar reconhece um objeto e o nomeia. Por enquanto ainda é preciso que o objeto esteja diante dela para que se recorde. Depois ela pode começar a pedir e desejar que o objeto apareça, significa que ela já faz memória. Tudo isso é a base para o desenvolvimento do pensar que passa pelas percepções e pela linguagem.

Para a criança pequena pensar é lembrar por meio de imagens. Imaginação e criatividade são a base da aprendizagem pelo uso da linguagem. A palavra e a imagem são parte do mundo e a criança pequena possui a capacidade de criar imagens interiores enquanto brinca.

É comum vermos crianças conversando durante uma brincadeira e muitas vezes ocorre que elas falam sozinhas. Essa necessidade se dá neste processo de percepção, organização do movimento, das palavras, de seus significados e do uso da linguagem que leva à aprendizagem.

A linguagem é a base da inteligência e das relações e seu desenvolvimento passa por estágios, como degraus, até que o ser humano possa abstrair e reconhecer fórmulas matemáticas, físicas e regras gramaticais.

O pensamento concreto antecede o pensamento abstrato. Uma criança antes dos sete anos não necessita nem pode ficar sentada para ser alfabetizada e instruída acerca dos números e das letras. Mais importante do que isso é ela ter a possibilidade de brincar. A consciência fonológica inicia-se neste período, a criança torna-se capaz de repetir, reconhecer, associar, comparar, separar e criar sons (sílabas e fonemas) para depois movê-los e transpô-los. As histórias e brincadeiras cantadas que tanto alegram a infância, cheias de beleza, musicalidade, ritmo, rimas, poesias, trava língua, etc são meios através dos quais a criança adquire a consciência fonológica. Assim brincando, a criança cria habilidades de comunicação através do uso da fala que é característica essencialmente humana.

Os sons criam movimento e dão forma, essa é a tarefa da palavra falada e ouvida, da língua materna e da linguagem na realidade de uma criança que pode ser resumida em brincar. O brincar, pleno de movimento, ativa, movimenta e amplia a capacidade de falar e de organizar pensamentos por meio da fala. O brincar alimenta a linguagem e vice-versa.

Na passagem por estes estágios é necessário nutrir o ser humano, no caso da criança especialmente favorecer o brincar. Os brinquedos eletrônicos e o uso da tecnologia são fatores que dificultam, mecanizam e criam deficiência linguística.

As crianças que brincam livremente, que criam suas brincadeiras, que possuem contato diário com a natureza, recebem contato interessado e amoroso dos adultos certamente são mais inteligentes, capazes de não só nomear, mas de perceber, estabelecer relações e interagir no ambiente sensorial e emocional. Enfim perceber a si, o outro e o ambiente.

A natureza programou todas estas etapas com cuidado e elas necessitam de tempo para acontecerem. A primeira infância é tempo de perceber, ouvir canções e histórias, brincar, cantar… É tempo de intenso movimento! Precisamos confiar nas forças que nela atuam, esperar que ela cresça até que tudo esteja amadurecido e pronto.

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Como favorecer o amor próprio/autoestima das crianças

Publicado por Maria Célia Becattini




"Uma amiga partilhou este artigo comigo. A autoria é da psicóloga Katerina Kes, especializada em infância e família.
Diz a autora que responder com um sim sim, está muito bem não adianta de muito. Está também provado que os elogios do género: és tão esperto, és tão inteligente, és tão giro fazem com que a criança/adolescente fique com medo de arriscar, com medo de falhar (o que é não só inevitável como necessário!), de não corresponder à imagem que lhe dão dela.
Qual a alternativa?
Reforçar a confiança em si mesma, promover o amor próprio, a confiança, o esforço, o processo e não o resultado.
Como? Aqui estão umas frases para ajudar.

Descreve o que vês diariamente:
Uau, que quarto arrumado e limpo!
Ena, fizeste a cama!
Estou a ver que arrumaste os livros todos na prateleira!
Que pinta, escolheste a roupa e vestiste-te sozinho!
Estou a ver que está a dar gozo desenhar!
Ena, que cores tão vivas que estás a usar!
Descreve o que sentes:
Gosto muito de estar contigo
Fico muito feliz por estar em casa contigo
Dá-me muito gozo passar tempo contigo
Sinto-me muito bem quando me ajudas
Gosto de te ouvir dizer isso
Gosto tanto que estejas aqui
Nós fazemos uma equipa
Mostra-lhe a tua confiança:
Confio em ti
Acredito em ti
Respeito a tua decisão
Não é fácil, mas sei que vais conseguir
Estás a fazer o correcto
Percebes bem as coisas
Como é que conseguiste?
Ensina-me a fazer isso!
Estás a fazer melhor do que antes e ainda vais melhorar
Reconhece o esforço e/ou sofrimento:
Vejo que trabalhaste muito para o conseguir
Estou a ver que te fartaste de dar o litro, continua assim
Posso imaginar o tempão que isso levou
Fico orgulhoso por ver que te esforçaste muito, é assim mesmo
Continua a empenha-te dessa forma, vais ver que as coisas vão correndo melhor
Deves ter feito uma boa planificação para correr assim bem
Os teus esforços recompensaram-te com um bom resultado, felicito-te
Agradece a ajuda e contribuição:
Obrigada por teres… (algo positivo e não de forma irónica)
Obrigada pela tua ajuda
Obrigada por compreenderes
Isso ajuda-me muito, agradeço-te
És um óptimo ajudante
Graças a ti, consegui acabar isto mais depressa
Graças à tua ajuda temos a casa mais limpa
Como me ajudaste já não temos tralhas espalhadas no chão
Ajuda-o a avaliar o resultado / leva em consideração a sua opinião:
O que é que te parece?
O que pensas sobre isto?
Gostas de ver como ficou?
Achas que te saiu melhor do que da outra vez?
O que é que mais gostas nisto?
O que pensas que podias fazer para melhorar?
Agradece o tempo que passam juntos*:
Gosto muito de passar tempo contigo
Obrigada por estares aqui comigo
Estou muito feliz por te ter aqui
Sinto-me muito bem ao teu lado
Estou mortinha por retomarmos o jogo amanhã
És uma pessoa muito interessante
És muito importante para mim, gosto muito de estar contigo
ilustração de Benjamin Chaud"

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Transtorno Obsessivo Compulsivo – TOC


Transtorno Obsessivo Compulsivo – TOC

Publicado por Maria Célia Becattini 



Alguns sites definem o TOC como “ Técnico Oficial de Contas”, enquanto alguns profissionais teimam em classificá-lo como “manias e medos” e, nas classes mais baixas, seus sintomas podem ser confundidos com manifestação espirituais e/ou possessões demoníacas.

Diante disso tudo, é de se esperar que o distúrbio, cujo significado da sigla é “Transtorno Obsessivo Compulsivo” seja ignorado pela maioria da população e, com isso, seu tratamento passe a ser um privilégio de poucos.

Em primeiro lugar, apesar da dificuldade em detectar-se suas causas, é possível saber que, entre elas, podem estar fatores genéticos, lesões ou infecções cerebrais, consumo exagerado (ou prolongado) de tóxicos, entre outras causas.

O TOC pode ser simples, só obsessivo ou só compulsivo ou a combinação dos dois, pode mostrar-se associado á síndrome de Tourette (Tiques motores/vocais e sonoros) e esta pode associar-se a outros tantos distúrbios que não cabe enumerar neste que pretende ser um resumo do tema.

Quase sempre, o TOC vem acompanhado de hiperatividade, seja qual for seu grau. Entenda-se por obsessão, uma idéia/mania fixa e por compulsão algo que se obriga a fazer continuamente. A compulsão pode tornar-se conseqüência da obsessão e, por isso, é comum pacientes começarem a demonstrar sintomas de obsessão e, sem tratamento adequado, passarem a mostrar também sintomas de compulsão.

Existem casos simples ( pessoas que “colecionam coisas”, abrem e fecham portas várias vezes antes de saírem, apavoram-se com medo de contrair algum vírus etc.) e os casos evoluem até o extremo (pessoas que se mutilam ou cometem homicídios/suicídios motivados por medos ou “visões” que alucinam), passando por casos em que o paciente se vê feio ou distorcido, imagina-se um ser desprezível, incapaz de ser amado ou aceito.

Na maioria desses casos, é comum confundir-se os sintomas com possessões demoníacas, até porque os quadros realmente se parecem, mas nisso devo esclarecer que há uma visão distorcida até do que vem a ser possessão demoníaca.

Partindo-se do princípio de que o ser humano é dotado de energia emanando nas próprias células e que é essa energia “liga-se” a outras energias cósmicas por meio de correntes elétricas do cérebro, é inadmissível acreditar-se em possessões demoníacas. Mais viável é crer que alguma falha dentro do cérebro lesado cause a deficiência.

No caso de transtornos de tiques, estes podem ser desde os mais amenos (piscar de olhos, torcer nariz,mexer nos cabelos etc.) até os mais graves, geralmente envolvendo sons feitos com a garganta ou língua. Este sim são chamados de Tourette e tão graves podem ser que chegam a impedir que seus portadores tenham vida social, pois dificilmente o paciente conseguirá sair, divertir-se mostrando a cada um ou dois minutos uma seqüência de tiques acompanhados de sons altos e incontroláveis.

Para cada “combinação” desses distúrbios, há um tratamento. A terapia, especialmente a Multiterapia, pode tratar muitos dos casos citados, a Arteterapia/Musicoterapia e a Psicanálise podem tratar dos casos mais amenos. Os casos mais graves (envolvendo tendências suicidas/homicidas, manias multiladoras, tiques excessivos etc.) devem ser tratados pela Psiquiatria. Em alguns casos, pode-se combinar o tratamento medicamentoso ( estipulado pelo Psiquiatra) com a Terapia, mas nunca apenas com a Terapia isolada.

Deve-se lembrar de que também os grupos de apoio, isoladamente, não funcionam. Apenas servem para que o paciente veja que não está sozinho. Há muitas pessoas como ele, com os mesmos sintomas ou parecidos. Mas, se o grupo de apoio não for utilizado em conjunto com o tratamento terapêutico e/ou medicamentoso, de nada adiantará.

Fonte: Livro transtornos de comportamento e distúrbios de aprendizagem; Autor: Lou de Olivier